Existe no Brasil uma torcida organizada que prega a paz nos estádios.
Seus integrantes se recusam a pedir ingressos para dirigentes e entre
eles é proibido ofender o adversário com termos machistas ou
homofóbicos.
Essa é a Ultras Resistência Coral, torcida organizada do Ferroviário,
time que é a terceira força da cidade de Fortaleza. Além do amor ao
‘Ferrão', os membros da Resistência Coral têm em comum a afinidade
ideológica: todos são críticos ao sistema capitalista.
"Surpreendente, os cartolas gostam da nossa torcida. Apesar de
estarmos contra o capitalismo e de alguns dos dirigentes serem
empresários etc, eles compram nossas camisas pra ajudar, falam, ‘cara, a
torcida de vocês deveria ser maior, é muito massa!", conta Leonardo
Carneiro, sociólogo, professor da rede pública e apaixonado pelo
Ferroviário.
Leonardo e boa parte dos outros 19 sócios da
Resistência Coral já eram torcedores do clube antes de se tornarem
militantes de esquerda. Com o passar do tempo, eles descobriram que a
paixão pela equipe de futebol e a crença política tinham a mesma origem.
Diferentemente de Ceará e Fortaleza, clubes de maior expressão do
estado, o Ferroviário tem raízes operárias e foi fundado por
funcionários da antiga Rede de Viação Cearense - RVC.
"Surgimos em
2005. Antes, estávamos juntos das organizadas, nos dávamos bem com
elas, mas aos poucos fomos vendo cada vez mais cantos machistas,
homofóbicos, incitação à violência gratuita. Queríamos formar uma
torcida organizada que tivesse uma ideologia compatível à história do
nosso time. É uma forma, inclusive, de retomar a tradição, a gente não
inventou nada, foi a retomada da tradição da origem de classe do
Ferroviário, que foi sendo esquecida com o fim da parceria com a RFFSA -
Rede Ferroviária Federal", explica o estudante Pedro Mansueto, um dos
fundadores do grupo.
"Do nosso conhecimento, a primeira torcida
com esse viés que surgiu no Brasil foi a nossa. Depois, vieram outras
que temos conhecimentos, existem iniciativas com Atlético-MG, Bahia,
Palmeiras, Flamengo, São Paulo. Na Europa, futebol e política estão
juntos há muito tempo. Se nós que pertencemos a um clube que está mal
das pernas e não tem torcida tão numerosa conseguimos causar certa
repercussão, fico pensando como seria se um Flamengo ou um Corinthians
criasse uma torcida como essa e ganhasse corpo, o efeito que isso
causaria", imagina Carneiro.
Terrorismo?
A relação com as velhas
organizadas, como a Falange Coral, é amistosa e todos costumam apoiar o
time juntos na arquibancada. Quando uma música de cunho preconceituoso é
cantado, porém, parte dos torcedores se cala.
Apesar de seguir o
caminho oposto ao da violência entre organizadas, a Resistência Coral
ainda assim enfrenta repressão por parte das forças policiais. Uma faixa
com a frase ‘Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes' está
proibida de entrar nos estádios cearenses.
"Diziam
que a gente queria incitar a violência, não entendiam o conceito de
luta de classes. Outras faixas que continham símbolos anarquistas ou a
foice e o martelo eram proibidas, sobre faixas em apoio à resistência
palestina, diziam que era terrorismo", diz Mansueto.
Eles tampouco
estão livres da hostilidade dos rivais. Leonardo Carneiro se lembra do
dia em que torcedores do Fortaleza tentaram roubar uma faixa. "Não dava
pra partir pra cima porque estávamos em desvantagem numérica, mas
salvamos a faixa. É tão difícil fazer um material desse, nossos fundos
são tão escassos..."
Anti-Fifa
Sem auxílio
dos cartolas, a Resistência Coral sobrevive da venda de material próprio
e do auxílio dos sócios. Suas mensagens estão não só nos jogos, mas
também em manifestações populares, inclusive contra a Fifa e a Copa do
Mundo atualmente realizada no Brasil.
"Aqui há anarquistas,
comunistas, cada um tem um pensamento diferente. Mas somos contra a Copa
pela origem do nosso time, pelo que a gente defende, pelo conjunto do
que esse evento trouxe de corrupção, desvio de dinheiro,
superfaturamento, desapropriações", explica o recepcionista Francisco de
Oliveira.
Leonardo Carneiro completa. "Estão querendo impor um
padrão Fifa de torcedor. No Castelão, tiraram qualquer possiblidade de
colocar faixa, tiraram as muretas, as grades, por mais que alguém queira
colocar uma pequena bandeira, a policia diz que não. Não tem espaço
para estar de pé, pulando. É a ideia do futebol moderno, higienizado. O
preço dos ingressos e do que tem para ser consumido nos estádios impede o
trabalhador de acompanhar seu time. A Copa do Mundo acentua esse
processo."
"Amamos o futebol, mas odiamos essa forma como estão
querendo impor o futebol a povos do mundo. Agora é a vez do Brasil. A
Fifa pra gente representa um grande mal, é uma organização que está mais
preocupada em obter ganhos financeiros do que permitir que esse esporte
continue sendo acessível à maioria das pessoas."
Créditos: Uol
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